Por Dra. Lih Vitória, Biomédica
Nos últimos anos, a Cannabis tem ganhado cada vez mais destaque na ciência como importante ferramenta no tratamento de diversas doenças, incluindo as que afetam o sistema gastrointestinal, como a Síndrome do Intestino Irritável (SII), Doença de Crohn e Colite Ulcerativa. Essas condições crônicas causam sintomas como dor abdominal, diarreia e constipação, que impactam profundamente a qualidade de vida dos pacientes. O tratamento dessas doenças, muitas vezes desafiador, pode se beneficiar do uso de Cannabis, devido à interação dos fitocanabinoides com o Sistema Endocanabinoide (SEC).
O SEC é uma rede biológica fundamental no nosso corpo, regulando funções essenciais como a resposta imunológica, a dor e a inflamação. No intestino, esse sistema tem um papel importante no controle da inflamação, o que é muito importante em doenças como a Doença de Crohn e a Colite Ulcerativa. Pesquisas científicas mostram que os canabinoides presentes na Cannabis, como o THC e o CBD, interagem com os receptores do SEC no intestino, ajudando a reduzir a inflamação e promover a homeostase intestinal. Este resultado evidencia o alivio dos sintomas dessas doenças, que nem sempre são totalmente controlados por medicamentos tradicionais.
Um estudo clínico de 2018, publicado no Journal of Clinical Investigation, mostrou como a Cannabis pode ajudar a controlar a inflamação intestinal em pacientes com colite ulcerativa e Doença de Crohn. Os pesquisadores descobriram que os endocanabinoides ajudam a regular o influxo de neutrófilos, células do sistema imunológico que, em excesso, causam inflamação e danos ao intestino. Esse controle é essencial para reduzir os sintomas e as complicações associadas a essas doenças.
Um estudo clínico realizado em 2012 por Lahat e sua equipe investigou os efeitos do tratamento com cannabis inalada em pacientes com Doença Inflamatória Intestinal (DII), incluindo Doença de Crohn (DC), Colite Ulcerativa (CU) e DII colônica. Com 13 pacientes participando, os critérios de inclusão exigiam que os pacientes já tivessem recebido uma prescrição de cannabis por seus gastroenterologistas. Os resultados mostraram que o uso de cannabis resultou em melhorias significativas em diversas áreas, como a percepção geral de saúde, funcionamento social, capacidade de trabalho, alívio da dor física e redução da depressão. Além disso, o estudo indicou que os pacientes experimentaram um aumento no Índice de Massa Corporal (IMC), sugerindo um impacto positivo na qualidade de vida, especialmente para aqueles com DII de longa data. Esses resultados abrem caminhos para o uso da terapia canabinoide como uma alternativa terapêutica potencialmente eficaz e segura no tratamento de doenças intestinais inflamatórias.
Apesar da Cannabis ainda enfrentar muitos tabus e restrições legais no Brasil, o país é um dos maiores produtores de pesquisa científica sobre a planta. Mas, a proibição da Cannabis tem gerado desafios no acesso a tratamentos eficazes, avanços em pesquisa e educação em saúde. A Lei Estadual 17.618/23, sancionada em São Paulo, autoriza o uso de Cannabis apenas para o tratamento de três patologias específicas, o que limita a aplicação para outras condições que poderiam se beneficar. Isso impacta o acesso a tratamentos mais completos, já que a Cannabis mostra benefícios terapêuticos positivos para uma variedade maior de condições médicas.
Além disso, a Cannabis, quando utilizada de forma personalizada e com um foco terapêutico, levando em consideração fatores como o perfil farmacocinético, a interação medicamentosa com outros medicamentos e as necessidades clínicas específicas de cada paciente, pode oferecer benefícios significativos. A interação entre os canabinoides e o sistema endocanabinoide é complexa, especialmente na regulação da inflamação e da função imunológica no intestino. Por isso, é fundamental o planejamento terapêutico, para garantir que os tratamentos sejam eficazes, seguras e adaptadas às características individuais de cada paciente.
Um dos maiores obstáculos para o uso mais amplo da Cannabis como ferramenta terapêutica é a falta de especialização dos profissionais de saúde. Muitos profissionais de saúde ainda não estão familiarizados com o sistema endocanabinoide e com os potenciais benefícios da Cannabis para o tratamento de doenças gastrointestinais. É importante que o Brasil invista em programas de educação e capacitação para médicos, dentistas, biomédicos, farmacêuticos e outros profissionais de saúde. A educação desses profissionais ajudará no avanço de terapias baseadas na ciência endocanabinoide de forma segura e eficaz, beneficiando mais pacientes.
A educação científica é fundamental no direito à saúde, pois associações, universidades e outras organizações dedicadas à pesquisa têm sido essenciais para informar a população e os profissionais de saúde sobre os a ciência canabinoide.
A disseminação de conhecimento baseado em evidências permite que todos, desde pacientes até profissionais de saúde, possam tomar decisões mais informadas e seguras. Um exemplo disso é o desenvolvimento de fitocanabinoides específicos para o tratamento de doenças intestinais, uma área favorável que, com o trabalho conjunto de diferentes especialistas, já nos mostram que novas formas de tratamento que podem atendam melhor às necessidades dos pacientes, promovendo mais saúde e bem-estar para todos.
O sistema endocanabinoide no intestino ainda está sendo estudado, como mostra a importância dos receptores canabinoides CB1 e CB2 eu desempenham papéis fundamentais nesse processo. O CB1 está relacionado à regulação da motilidade intestinal e ao alívio da dor, enquanto o CB2 está envolvido no controle da inflamação. A interação dos canabinoides com esses receptores tem o potencial de levar ao desenvolvimento de terapias mais eficazes e direcionadas.
Embora o caminho para a aceitação e o uso amplo de tratamentos à base de Cannabis no Brasil ainda enfrente desafios, como a falta de políticas públicas abrangentes e a resistência de parte da sociedade, há motivos para otimismo. As pesquisas científicas continuam a avançar, e os profissionais de saúde estão cada vez mais interessados no potencial terapêutico da planta. Com mais educação, mais pesquisas e mais investimentos em capacitação, a Cannabis transforma o tratamento de doenças inflamatórias intestinais, surgindo novas esperanças para os pacientes que sofrem dessas condições.
Os estudos in vitro e resultados clínicos já evidenciam que pacientes com doenças intestinais inflamatórias têm se beneficiado significativamente do uso de fitocanabinoides, ajudando a aliviar sintomas como dor e inflamação. Investir em pesquisa e educação permitirá não apenas o acesso a tratamentos mais eficazes e personalizados, mas também o desenvolvimento de uma abordagem mais integrada e humanizada para o cuidado da saúde. O futuro da Cannabis no Brasil é promissor, e a transformação está apenas começando, abrindo novos caminhos para a sociedade médica e pacientes.
Referências bibliográficas
- Al-Ghezi ZZ, Busbee PB, Alghetaa H, Nagarkatti PS, Nagarkatti M. Combination of cannabinoids, delta-9-tetrahydrocannabinol (THC) and cannabidiol (CBD), mitigates experimental autoimmune encephalomyelitis (EAE) by altering the gut microbiome. Brain Behav Immun. 2019;82:25-35. doi:10.1016/j.bbi.2019.07.028
 - https://super.abril.com.br/saude/cannabis-pode-fazer-bem-ao-intestino-diz-estudo/
 - SZABADY, Rose L. et al. Intestinal P-glycoprotein exports endocannabinoids to prevent inflammation and maintain homeostasis. The Journal of clinical investigation, v. 128, n. 9, p. 4044-4056, 2018.
 - https://cannakeys.com/thc-cbd-for-irritable-bowel-syndrome/LAHAT, Adi; LANG, Alon; BEN-HORIN, Shomron. Impact of cannabis treatment on the quality of life, weight and clinical disease activity in inflammatory bowel disease patients: a pilot prospective study. Digestion, v. 85, n. 1, p. 1-8, 2012.